[Opinião] A álgebra da necessidade e o erro legal de classificar a psilocibina como droga viciante

Há um tipo de dependência que não negocia, não argumenta, não cede. Ela não é hábito, nem vício recreativo, é possessão. William Burroughs chamou isso de Álgebra da Necessidade: uma equação perversa na qual o sujeito deixa de ser um agente livre para tornar-se marionete de uma compulsão química. A droga deixa de ser consumida e passa a consumir. A fórmula, cruel e direta, é: Necessidade Total = Obediência Total.

Substâncias como cocaína, heroína, metanfetaminas e até mesmo o álcool e a maconha (em certos contextos) operam sob essa lógica. Elas não oferecem vitalidade real, mas um alivio enganoso somado à escravidão neuroquímica, travestida de prazer. O traficante, nesse sistema, não vende um produto ao consumidor, ele vende o consumidor ao produto. O vício cria fidelidade forçada. A certa altura, o usuário não decide mais, ele obedece impulsos. Mente, cria desculpas, rouba, trai, se degrada. Não por malícia, mas porque seu cérebro foi sequestrado. Seu equilíbrio neurobiológico foi substituído por um imperativo químico. Surge a tolerância, a necessidade de doses maiores, a perda do efeito, e o ciclo se repete até o colapso físico, moral ou existencial.

Agora, comparemos com a realidade dos cogumelos contendo psilocibina. Eles obedecem à mesma álgebra? Existem relatos de pessoas que roubaram, se prostituíram ou abandonaram suas famílias em busca de uma nova dose de cogumelos? Alguém já acordou suando, tremendo, implorando por um chapéu de Psilocybe cubensis? A resposta — respaldada por décadas de pesquisa científica, pela tradição milenar de uso e pela realidade contemporânea — é inequivocamente não.

Tanto os estudos clínicos quanto a experiência prática e ancestral mostram que a psilocibina não causa dependência física nem psíquica. Não há compulsão. Não há abstinência. Não há casos de overdose fatal, nem de internação, violência pelo (e para) uso, nada. E o mais revelador: não há necessidade de repetição imediata. Ao contrário das substâncias viciantes que exigem consumo contínuo, os cogumelos frequentemente oferecem experiências tão profundas e transformadoras que muitos usuários optam por meses ou anos de integração antes de pensar em um novo uso. Trata-se de um enteógeno que não escraviza, mas possivelmente pode libertar.

Enquanto isso, o álcool, misturado ao açúcar (combinação bombástica), socialmente aceito e amplamente comercializado, segue devastando famílias, alimentando violências e causando milhões de mortes anuais. É uma substância historicamente ligada à degradação da mulher, à violência doméstica, à perda de controle, à submissão moral. Quantas histórias de estupros, feminicídios e suicídios têm como pano de fundo o abuso etílico? E, no entanto, o álcool é legal, é "cool". Está na festa, na novela, no supermercado, no intervalo do futebol.

Os cogumelos psilocibinos, por outro lado, vêm sendo usados há milênios por culturas indígenas em contextos ritualísticos, curativos e espirituais, sem qualquer histórico de desordem social associada. A psilocibina não entorpece, revela. Não afoga a dor, escancara. Ela permite olhar para dentro, integrar traumas, expandir a percepção e, muitas vezes, iniciar uma trajetória de cura profunda.

Então por que uma substância não viciante, com comprovado potencial terapêutico, histórico seguro de uso milenar e nenhum caso real de dano social relevante, segue classificada como uma droga perigosa, enquanto substâncias comprovadamente destrutivas continuam legalizadas, incentivadas e até celebradas?

A resposta não está na ciência, mas no poder. Drogas que aprisionam são úteis a sistemas que lucram com a dependência. Substâncias que aumentam a consciência, que promovem autonomia, introspecção e conexão, são perigosas,  não por causarem danos, mas por fomentarem autonomia e liberdade. A psilocibina te confronta com sua verdade e te leva a questionar suas ações estultas. E isso não interessa a uma sociedade baseada na alienação.

A regra é simples: se a substância te adormece, entorpece e mantém dócil, útil, ela será tolerada mesmo que mate. Mas se ela te desperta, te tira do torpor e te faz pensar, ela será combatida, mesmo que cure.

Hoje, o álcool continua sendo vendido em cada esquina. A psilocibina, por outro lado, está na Lista F2 da Anvisa, classificada erroneamente como “substância com potencial de abuso”. Uma classificação que ignora completamente a evidência científica e ancestral e serve apenas para justificar um modelo de controle social travestido de política de saúde pública.

Se, portanto, o vício é a face da escravidão ou necessidade total, a psilocibina é a face da lucidez. E talvez seja justamente por isso que a proíbem. Não por medo do abuso, mas por medo de permitir o aumento social da consciência.

Próximo
Próximo

O Menino Azul e o Cogumelo Perdido