Muito além da psilocibina: o que mais existe nos cogumelos psilocibinos?

Quando se fala em cogumelos do gênero Psilocybe, muita gente pensa apenas na psilocibina, que é a substância mais conhecida por seus efeitos psicodélicos. Mas a verdade é que esses fungos são laboratórios naturais bem mais complexos do que parecem. Diversos estudos vêm mostrando que os cogumelos psilocibinos produzem uma variedade de compostos bioativos, muitos deles ainda pouco compreendidos.

Entre essas substâncias estão outras triptaminas, como a psilocina, baeocistina, norbaeocistina, aeruginascina e seus metabólitos, que podem atuar de forma complementar ou até mesmo sinérgica: um fenômeno conhecido como “efeito entourage”.

O que sabemos sobre as triptaminas dos cogumelos psilocibinos?

Estudos recentes vêm tentando entender como essas moléculas agem no organismo. Por exemplo:

  • A baeocistina e a norbaeocistina compartilham uma estrutura química muito parecida com a psilocibina.

  • Em experimentos com roedores, a psilocina e a psilocibina foram as únicas que causaram o chamado head-twitch response — uma resposta associada à ativação dos receptores 5-HT2A, principais responsáveis pelos efeitos psicodélicos.

  • Apesar disso, a baeocistina e a norbaeocistina, ao serem metabolizadas, formam compostos ativos como a norpsilocina e o 4-HT, que também conseguem atravessar a barreira hematoencefálica e ativar os mesmos receptores.

Além dos efeitos psicodélicos, alguns desses compostos mostraram propriedades antidepressivas em testes com animais, sem necessariamente gerar alterações perceptivas. Isso pode interessar pessoas que não desejam ou não podem fazer uso de substâncias alteradoras do estado de consciência.

São substâncias seguras?

De modo geral, os estudos indicam que esses compostos, quando isolados e testados em modelos animais, não causaram danos significativos aos rins ou ao fígado. Também foi avaliada a estabilidade química dessas substâncias: enquanto as formas ativas (como a psilocina) se degradam rapidamente, os pró-fármacos (como a psilocibina) tendem a ser mais estáveis quando armazenados corretamente.

E as betacarbolinas? Cogumelos psilocibinos também produzem isso?

Essa é uma descoberta interessante. Um estudo realizado por Blei e colaboradores (2020) revelou que o Psilocybe cubensis pode produzir betacarbolinas, como harmana e harmina, que são substâncias mais conhecidas por fazerem parte da composição da ayahuasca.

Essas betacarbolinas atuam como inibidores da enzima monoamina oxidase (MAO), o que pode potencializar a ação da psilocibina. Elas ajudam a manter níveis mais altos de neurotransmissores como a serotonina, dopamina e noradrenalina no cérebro, podendo também modular os efeitos terapêuticos ou psicodélicos.

No entanto, ainda não sabemos ao certo:

  • Se todas as linhagens (strains) de Psilocybe cubensis produzem essas substâncias;

  • Se elas estão presentes em quantidades suficientes para exercer efeitos farmacológicos no corpo humano;

  • E como elas interagem com as demais triptaminas em humanos.

O que tudo isso significa?

Essas descobertas reforçam a ideia de que os cogumelos psilocibinos não são apenas “psilocibina em cápsula”, e que nosso conhecimento sobre eles ainda é bastante incompleto. Eles formam um sistema químico complexo, com múltiplas moléculas atuando de forma integrada. Isso pode explicar por que tantas pessoas relatam experiências diferentes ao usar os cogumelos inteiros, em comparação com o uso da psilocibina sintética isolada.

Esse “efeito entourage” pode ter implicações terapêuticas importantes: talvez o uso do cogumelo inteiro, em contextos seguros e bem orientados, ofereça benefícios únicos, que não se manifestam com substâncias isoladas. No entanto, ainda são necessários mais estudos clínicos em humanos para confirmar essas hipóteses.

Referências

  1. Glatfelter GC, et al. (2022). Structure-Activity Relationships for Psilocybin, Baeocystin, Aeruginascin, and Related Analogues to Produce Pharmacological Effects in Mice. ACS Pharmacol Transl Sci. 5(11):1181–1196. doi: 10.1021/acsptsci.2c00177

  2. Erkizia-Santamaría I, et al. (2022). Serotonin 5-HT2A, 5-HT2C and 5-HT1A receptor involvement in the acute effects of psilocybin in mice. Biomed Pharmacother. 154:113612. doi: 10.1016/j.biopha.2022.113612

  3. Sherwood AM, et al. (2020). Synthesis and Biological Evaluation of Tryptamines Found in Hallucinogenic Mushrooms. J Nat Prod. 83(2):461–467. doi: 10.1021/acs.jnatprod.9b01061

  4. Rakoczy RJ, et al. (2024). Pharmacological and behavioural effects of tryptamines present in psilocybin-containing mushrooms. Br J Pharmacol. doi: 10.1111/bph.16466

  5. Blei F, et al. (2020). Simultaneous Production of Psilocybin and a Cocktail of β-Carboline Monoamine Oxidase Inhibitors in "Magic" Mushrooms. Chemistry. 26(3):729–734. doi: 10.1002/chem.201904363

Próximo
Próximo

Instituto Micélio Sagrado participa da VII Escola de Inverno em Fisiopatologia e Toxicologia da USP