Psilocibina em 2025: centros inaugurados, novas leis em debate e o atraso brasileiro

O ano de 2025 marcou uma virada no debate mundial sobre psilocibina e cogumelos psilocibinos. Se há poucos anos o tema ainda habitava a margem da política de drogas, hoje ele entra em parlamentos, agências reguladoras e universidades de diversos países.

Ao mesmo tempo, o Brasil permanece preso a um modelo proibicionista antigo, que proíbe a molécula (psilocibina/psilocina) mas não enfrenta com clareza o status do corpo fúngico – o cogumelo em si – nem discute seriamente modelos de regulação segura.

Por isso, apresentamos o panorama global das novidades regulatórias dos últimos meses:

1. Estados Unidos (EUA) em nível federal: o processo de reclassificação entrou na fase decisiva

Em 11 de agosto de 2025, a DEA encaminhou formalmente ao Department of Health and Human Services (HHS) a petição para reclassificar a psilocibina de Schedule I (sem uso médico aceito) para Schedule II (uso médico sob forte controle). Esse encaminhamento encerra uma longa disputa administrativa e judicial movida pelo Dr. Sunil Aggarwal e sua equipe, que buscam acesso terapêutico para pacientes em cuidados paliativos e depressão resistente. 

Desde então, a psilocibina está sob revisão médico-científica do HHS/FDA. Até que o HHS emita seu parecer e a DEA faça eventual mudança de classificação, a substância segue, em tese, como Schedule I. Mas, politicamente, já não estamos mais no terreno da negação: o governo federal norte-americano reconhece que precisa reavaliar a classificação à luz das evidências clínicas acumuladas.

2. Inaugurações e novos marcos nos EUA: dos healing centers às assembleias estaduais

Se em Washington D.C. o processo ainda é técnico e burocrático, no plano estadual e municipal o cenário é muito mais concreto – com centros abrindo portas, comissões legislativas se movimentando e task forces desenhando futuros modelos regulatórios.

2.1. Colorado: healing centers abrindo as portas

Em novembro de 2025, a cidade de Boulder, Colorado, inaugurou pelo menos três centros de cura com psilocibina (Happy Rebel Healing, Chariot Psilocybin Healing Center e Psychedelic Growth), oferecendo sessões supervisionadas de cogumelos em ambiente regulado. 

É um marco simbólico: o que estava, até então, no plano do “modelo projetado” passa a existir na prática – com licenças, protocolos, coleta de dados e supervisão de facilitadores credenciados. O Colorado começa a se tornar um laboratório vivo de como pode funcionar a assistência psicodélica supervisionada em larga escala.

2.2. New Jersey: um passo adiante na legalização

Em novembro de 2025, deputados estaduais em New Jersey avançaram um projeto de lei para legalizar o uso de psilocibina por adultos, criando um programa de acesso regulado e prevendo também descriminalização e expurgo de antecedentes relacionados a certas condutas com psilocibina. 

Ainda é um projeto em tramitação, mas o simples fato de uma comissão de saúde aprovar a proposta mostra que o tema deixou de ser tabu e entrou no terreno da política ordinária.

2.3. Maryland: recomendação oficial por descriminalização

No mesmo período, um grupo de trabalho oficial em Maryland publicou relatório recomendando que o estado avance rumo à descriminalização de psicodélicos naturais, incluindo psilocibina, tanto para usos médicos quanto, gradualmente, para usos não-médicos sob regras de redução de danos. 

O documento não muda a lei automaticamente, mas sinaliza um ponto de maturidade: o Estado reconhece que a política baseada apenas em repressão não responde mais à realidade científica nem social.

2.4. Um alerta do campo médico: uso não clínico em alta

Em paralelo a esses avanços regulatórios, a própria American Medical Association (AMA) publicou, em novembro de 2025, um alerta sobre o “boom” do uso não clínico de psilocibina, defendendo que as políticas públicas passem a focar em redução de danos, qualificação de informação, testagem de produtos e proteção de populações vulneráveis, e não apenas em proibição abstrata. 

Ou seja: o centro do sistema médico tradicional reconhece que a realidade social já mudou – e que ignorar o fenômeno só aumenta riscos.

3. Outros países: da prescrição caso a caso à pesquisa facilitada

Enquanto isso, fora dos EUA, 2025 trouxe novos marcos significativos:

• Nova Zelândia autorizou, em junho de 2025, que um psiquiatra experiente prescreva psilocibina para depressão resistente, fora do ambiente de estudo clínico – primeiro caso do tipo no país. Em julho, o governo publicou diretrizes para ampliar gradualmente o acesso, mantendo a psilocibina como “medicamento não aprovado”, mas com via regulada de prescrição caso a caso. 

• Alemanha aprovou um programa de uso compassivo de psilocibina para depressão resistente, permitindo que pacientes em sofrimento grave acessem a substância em centros especializados, fora de ensaios clínicos tradicionais. 

• Austrália, que já havia reclassificado a psilocibina em 2023 para uso médico muito restrito, segue ampliando a infraestrutura: estudos recentes, como o conduzido no St Vincent’s Hospital em Melbourne, reforçam a eficácia da psilocibina em reduzir depressão, ansiedade e angústia existencial em pacientes em fim de vida, aprofundando a base empírica que sustenta a política de acesso. 

• Reino Unido continua tratando a psilocibina como droga controlada, mas em 2025 o governo aceitou em princípio recomendações para facilitar pesquisas clínicas, reduzindo a burocracia de licenças em hospitais e universidades, o que na prática torna mais acessível a realização de ensaios robustos. 

• Em paralelo, organizações como a International Therapeutic Psilocybin Rescheduling Initiative (ITPRI) e a Beckley Foundation seguem pressionando pela reclassificação também nos tratados internacionais da ONU, para harmonizar o que já está acontecendo em países como Austrália, Nova Zelândia, Suíça e, potencialmente, República Tcheca. 

O quadro geral é de gradual legitimação terapêutica e de adaptação regulatória, com variações de modelo, mas convergência em um ponto: a psilocibina deixa de ser tratada apenas como problema criminal e passa a ser vista como possível ferramenta terapêutica.

4. E o Brasil nesse cenário? O atraso e a zona cinzenta

Colocado diante desse panorama, o Brasil aparece como um país em “tempo congelado”:

• A Portaria 344/1998 da antiga Anvisa (hoje sob marco da Lei 11.343/2006) lista psilocibina e psilocina como substâncias proibidas, mas não nomeia nenhuma espécie fúngica (corpo do cogumelo).

• Não há programa terapêutico oficial, nem debates estruturados no Congresso ou no Executivo para reclassificação, uso compassivo ou pesquisa clínica em larga escala.

• Ao mesmo tempo, cresce o uso real – medicinal, espiritual e recreativo – totalmente à margem de qualquer política pública de redução de danos, de qualificação de facilitadores e de controle de qualidade de produtos.

O resultado é um duplo atraso:

1. Atraso científico-sanitário – perdemos oportunidades de pesquisas clínicas próprias, de formação de equipes terapêuticas e de construção de dados brasileiros que poderiam subsidiar políticas sob nossa realidade sociocultural.

2. Atraso em direitos fundamentais – a ausência de regulação clara sobre o corpo fúngico e sobre usos rituais/espirituais abre espaço para interpretações extensivas da lei, prisões seletivas e insegurança jurídica para quem atua em boa-fé, inclusive comunidades tradicionais e contextos espiritualistas.

Enquanto países discutem parâmetros de dose, critérios para licença de centros, protocolos de acompanhamento e sistemas de monitoramento de eventos adversos, o Brasil permanece no “não pode falar disso”, deslocando o debate para a clandestinidade.

5. Uma visão madura: nem entusiasmo ingênuo, nem proibição cega

Do ponto de vista do Instituto Micélio Sagrado, esse movimento global exige de nós uma postura ao mesmo tempo crítica e responsável:

• A ciência vem mostrando benefícios importantes da psilocibina em quadros graves como depressão resistente, TEPT e sofrimento existencial em fim de vida – mas também aponta riscos reais se o uso se expande sem suporte, sem cuidado e sem contexto adequado. 

• As experiências regulatórias em Colorado, Oregon, Austrália, Nova Zelândia e Alemanha ainda são experimentos em curso, com erros e acertos, mas têm o mérito de tirar o tema do improviso e colocá-lo sob alguma forma de governança. 

• A própria AMA, símbolo de uma medicina muitas vezes conservadora, já admite que o foco precisa mudar da pura proibição para políticas de redução de danos e educação, porque o uso não clínico já é um fato social consolidado. 

Para o Brasil, o desafio é duplo:

1. Sair da negação – reconhecer que a psilocibina e os cogumelos já estão presentes na sociedade brasileira e que seguir fingindo que “não existe” apenas aumenta danos e injustiças.

2. Aprender com os outros sem copiar mecanicamente – olhar com rigor para as experiências internacionais, adaptando o que fizer sentido às nossas realidades jurídicas, culturais e espirituais, incluindo o respeito às tradições indígenas e às práticas espirituais que começam a incorporar o corpo fúngico em seus rituais.

O atraso brasileiro não precisa ser permanente. A cada novo centro inaugurado em Boulder, a cada psiquiatra autorizado em Nova Zelândia, a cada relatório oficial em Maryland ou na Alemanha, fica mais claro que o eixo da discussão saiu do “medo da substância” e se deslocou para o “como regular com responsabilidade”.

O papel do IMS, nesse contexto, é seguir produzindo análise séria, juridicamente embasada e culturalmente sensível, ajudando a construir pontes entre ciência, direito, espiritualidade e políticas públicas – para que, quando o Brasil finalmente decidir enfrentar esse tema, não comece do zero nem repita, no século XXI, os erros da velha guerra às drogas.

Referências

1. DEA e HHS – Petição de reclassificação da psilocibina

• Marijuana Moment – DEA advances psilocybin rescheduling petition to federal health officials following years-long legal challenge (19 ago. 2025). 

• Psychedelic STL / National Psychedelic Association – DEA advances psilocybin rescheduling petition: a potential turning point in access and policy (2025). 

2. Healing centers no Colorado (Boulder)

• Boulder Reporting Lab – Boulder’s first psilocybin healing centers open their doors (18 nov. 2025). 

• Axios Local – Boulder opens three psilocybin healing centers (1 dez. 2025). 

• Colorado Public Radio – The Colorado psychedelic mushroom experiment has arrived (24 mar. 2025). 

3. New Jersey – Projeto de legalização/descriminalização

• New Jersey Monitor – NJ bill would legalize psychedelic drug psilocybin (25 nov. 2025). 

• ABC7 / 6abc – Assembly lawmakers in New Jersey advance bill to legalize “magic mushrooms” (28 nov. 2025). 

• LegiScan – Texto do projeto Psilocybin Behavioral Health Access and Services Act (S2283). 

4. Maryland – Task force e recomendações

• WYPR – Maryland task force recommends decriminalization of psychedelics to lawmakers (7 nov. 2025). 

• Maryland Matters – Task force endorses move toward natural psychedelics for clinical, recreational use (10 nov. 2025). 

• Maryland Natural Psychedelic Substance Access Program – Relatório oficial do Task Force (out. 2025). 

5. Uso não clínico e posição da AMA

• American Medical Association – Nonclinical psilocybin use soars. What should be done now? (AMA News Wire / podcast, 6 nov. 2025). 

6. Nova Zelândia – prescrição de psilocibina

• Ministry of Health / Medsafe – New Zealand psychiatrist granted approval to prescribe psilocybin (19 jun. 2025). 

• Beehive (Governo NZ) – Guidelines released for prescribing psilocybin (24 jul. 2025). 

• TIME – New Zealand becomes latest government to approve “shrooms” for medicinal use (2025). 

7. Austrália, Alemanha, Reino Unido e cenário europeu

• The Australian – Magic mushroom-led therapy for existential crisis shows promise (ago. 2025), sobre estudo em Melbourne e contexto regulatório australiano. 

• The Times – The magic of mushrooms: is psilocybin really a cure for depression? (2025), com panorama sobre Austrália, Nova Zelândia e avanços na Europa (incluindo República Tcheca).

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