Cogumelos Psilocibinos e a Justiça: Uma Vitória da Clareza Jurídica
Por Mônica Hoff e Daniel Rodrigues
Em 26 de novembro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão histórica no Recurso Especial nº 2.236.498/MG, trazendo clareza a um tema marcado por confusão e insegurança jurídica: o status legal dos cogumelos psilocibinos no Brasil. O julgamento, relatado pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, reafirma um princípio fundamental do Estado de Direito: ninguém pode ser criminalizado por conduta que a lei não proíbe de forma clara e expressa. A decisão representa um marco na política de drogas e na proteção das liberdades individuais, inaugurando um novo capítulo na interpretação da Lei de Drogas (11.343/06).
1. Inconsistência regulatória
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) organiza substâncias e organismos proibidos em listas diferentes, cada uma com uma função específica. A Lista F2 reúne substâncias químicas isoladas, como psilocina e psilocibina, enquanto a Lista E relaciona plantas e fungos que são proibidos na sua forma integral.
O ponto central, que gerou anos de confusão, é que os cogumelos psilocibinos nunca foram incluídos na Lista E. Isso significa que proibir a substância não implica, automaticamente, proibir o organismo natural que a contém. Um exemplo simples ajuda a entender: a proibição de DMT não transforma todas as plantas que contêm DMT em organismos ilícitos. Só é proibido aquilo que está expressamente listado.
O mesmo raciocínio vale para os cogumelos. Se o fungo não está listado, ele não pode ser tratado como proibido por inferência. É uma regra básica do Direito Penal: um organismo natural não se torna crime por presunção.
2. Por que isso importa tanto?
Durante anos, muitos processos confundiram a substância proibida (psilocina/psilocibina) com o organismo natural que não aparece na lista de espécies proibidas. Essa confusão gerou prisões indevidas, processos frágeis, decisões contraditórias e interpretações ampliadas da Lei de Drogas.
O STJ foi categórico ao afirmar que o Direito Penal não aceita suposições, não permite analogia para criar crimes e não autoriza polícia ou Judiciário a inventarem proibições onde a ANVISA nunca proibiu. Em resumo, se a ANVISA não listou o cogumelo, sua posse, cultivo ou circulação não constitui crime.
3. Impacto prático para a vida real
A decisão tem efeitos diretos e concretos. Processos baseados apenas na presença de psilocibina podem ser contestados e condenações anteriores precisam ser revistas. A atuação policial deve se restringir a organismos realmente proibidos e não a fungos que nunca foram incluídos nas listas da ANVISA. Isso reduz o risco jurídico para cultivadores, pesquisadores, empreendedores e qualquer pessoa injustamente enquadrada na Lei de Drogas. O STJ fortalece a segurança jurídica e impede que lacunas regulatórias sejam usadas como instrumento repressivo.
4. Uma tendência que também aparece fora do Brasil
Em fevereiro de 2025, o Tribunal Superior de Kerala, na Índia, decidiu que cogumelos psilocibinos são organismos naturais e não podem ser automaticamente equiparados a substâncias psicotrópicas isoladas, afirmando que só poderiam ser criminalizados mediante proibição expressa do próprio fungo. Esse precedente internacional mostra que a compreensão adotada pelo STJ caminha na mesma direção e acompanha uma tendência global de diferenciar substâncias isoladas de organismos naturais.
5. O que essa decisão representa para o Brasil?
O julgamento sinaliza um Direito Penal mais técnico, responsável e previsível, reafirma o respeito à legalidade estrita e fortalece a garantia fundamental de que ninguém pode ser punido sem lei prévia clara. Também esclarece o papel regulatório da ANVISA, que é a única autoridade competente para determinar o que pode ou não ser proibido. A decisão atua como um freio contra interpretações punitivistas baseadas em palpites, suposições e invenções jurídicas.
Em uma frase que sintetiza todo o entendimento: onde a ANVISA não proibiu, o Direito Penal não pode punir.
Conclusão
A decisão do STJ não apenas resolve um dilema jurídico recorrente; ela fortalece os pilares da legalidade penal, protege cidadãos contra injustiças e alinha o Brasil às melhores práticas internacionais. É uma vitória da técnica, da clareza e da responsabilidade institucional.
Acima de tudo, essa decisão devolve o tema dos cogumelos psilocibinos ao seu lugar legítimo: a regulação sanitária, científica e social — e não o punitivismo automático. Que esse entendimento ecoe, se firme e sirva de base para decisões futuras.
Referência
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2.236.498 – MG (2025/0383550-0). Rel. Min. Joel Ilan Paciornik. Julgado em 26 nov. 2025.