Psilocibina no transtorno bipolar: esperança ou risco?
A expansão das pesquisas com psicodélicos reacende o debate sobre seus potenciais usos terapêuticos em condições psiquiátricas complexas. Dentre essas condições, o transtorno bipolar (TB) ainda se destaca como uma das mais delicadas, especialmente devido ao risco de desestabilização do humor associado a alterações neuroquímicas sutis.
Um estudo recente conduzido pela Dra. Emma Morton, publicado na revista científica Journal of Psychopharmacology, investigou os efeitos da psilocibina em pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar tipo 1 e tipo 2, com base em dados autorrelatados por usuários que consumiram cogumelos contendo a substância de forma não supervisionada.
A pesquisa reuniu relatos de 541 participantes com diagnóstico de transtorno bipolar e histórico de uso de cogumelos psicodélicos. As principais motivações relatadas para o uso foram:
Busca por autoconhecimento e crescimento pessoal;
Tentativa de aliviar dores emocionais intensas;
Experimentações fora do sistema médico tradicional para tratar sintomas psiquiátricos e/ou dependência.
Apesar dos riscos envolvidos, a maioria dos participantes avaliou as experiências com psilocibina como úteis, atribuindo uma nota média de 4 em 5 em termos de benefício pessoal. Muitos relataram melhoras na forma de lidar com sua condição, inclusive fora dos efeitos agudos da substância.
Entretanto, cerca de 32% dos entrevistados relataram efeitos adversos significativos, como:
Desencadeamento de episódios de mania;
Ansiedade aguda, insônia e recaídas depressivas;
Alucinações ou delírios persistentes.
Além disso, aproximadamente 3% dos participantes precisaram de atendimento hospitalar devido a complicações graves, incluindo episódios maníacos agudos, delírios intensos e perturbações severas do sono.
Base neurofarmacológica: por que esses efeitos ocorrem?
A psilocibina atua primariamente nos receptores de serotonina do subtipo 5-HT₂A — os mesmos envolvidos na ação de diversos antidepressivos. Sabe-se que alguns antidepressivos podem induzir episódios de mania em pessoas com transtorno bipolar, especialmente quando administrados sem estabilizadores de humor. Esse mecanismo sugere que a psilocibina, embora distinta em sua farmacodinâmica, também pode representar risco de desestabilização emocional nesse grupo.
Conclusões
Os pesquisadores destacam que:
A psilocibina pode ter benefícios terapêuticos para pessoas com transtorno bipolar, mas não deve ser utilizada de forma autônoma ou recreativa por esse grupo.
O uso deve ocorrer apenas em ambiente clínico controlado, com supervisão psiquiátrica e protocolos de segurança bem definidos.
Estudos clínicos são necessários para avaliar com rigor a segurança, dosagem, indicações e limites do uso da psilocibina nesse contexto.
Mesmo entre os participantes que sofreram efeitos adversos, a maioria ainda relatou que os benefícios superaram os riscos percebidos.
“Embora cerca de um terço dos participantes tenha enfrentado efeitos adversos, muitos relataram ganhos significativos em sua forma de lidar com o transtorno, inclusive em períodos de sobriedade”, aponta a Dra. Morton.
O estudo de Morton representa um marco inicial na compreensão dos efeitos da psilocibina em pessoas com transtorno bipolar — um grupo frequentemente excluído das pesquisas clínicas com psicodélicos, justamente pelo risco de reações adversas. Ainda assim, os resultados sugerem que, com protocolos seguros, acompanhamento profissional qualificado e integração psicoterapêutica sólida, há um potencial terapêutico a ser explorado com responsabilidade.
Referências
Morton E, Sakai K, Ashtari A, Pleet M, Michalak EE, Woolley J. Risks and benefits of psilocybin use in people with bipolar disorder: An international web-based survey on experiences of 'magic mushroom' consumption. J Psychopharmacol. 2023 Jan;37(1):49-60. doi: 10.1177/02698811221131997. Epub 2022 Dec 14.
https://www.vchri.ca/stories/2023/07/05/magic-mushroom-experiences-among-people-bipolar-disorder