Cogumelos psilocibinos e direito comparado: panorama global da regulamentação e descriminalização até 2025
A psilocibina, alcaloide presente nos cogumelos do gênero Psilocybe, tem sido objeto de atenção científica e jurídica em diversos países. A expansão dos estudos clínicos e o reconhecimento de sua eficácia terapêutica em quadros como depressão resistente, TEPT e ansiedade existencial têm impulsionado a revisão de políticas públicas e decisões judiciais em nível internacional.
Este artigo oferece um panorama comparado das abordagens legais adotadas até junho de 2025, abrangendo descriminalização, regulamentação clínica e jurisprudência, com base em fontes legislativas e jurisprudenciais verificadas.
A psilocibina no sistema internacional de controle
A Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 classificou a psilocibina na Tabela I (Schedule I), restringindo sua produção, comercialização e uso, salvo para fins científicos e médicos autorizados. Contudo, a aplicação prática dessa classificação varia entre os Estados signatários, permitindo diferentes graus de flexibilização regulatória.
Situação legal por país
• Jamaica, Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas, Nepal, Samoa – Não há proibição legal explícita quanto à psilocibina ou aos cogumelos. Uso e comércio são socialmente tolerados e, em alguns casos, institucionalizados.
• Holanda – Cogumelos frescos são proibidos desde 2008, mas trufas (sclerotia) são legalmente comercializadas.
• Portugal – Desde 2000, a posse para uso pessoal é descriminalizada, incluindo psilocibina. Cultivo e comércio continuam proibidos.
• Chile e Colômbia – A posse pessoal de substâncias entorpecentes é descriminalizada. O cultivo e comércio permanecem proibidos.
• Uruguai – A legislação não proíbe o uso pessoal de cogumelos, mas não há regulamentação específica.
• Espanha – A posse e cultivo para consumo próprio são tolerados em ambiente privado. Não há proibição expressa de cogumelos.
• México – O uso ritualístico de cogumelos é protegido por garantias constitucionais das comunidades indígenas. A posse de até 5 g é descriminalizada. Em 2021, a Suprema Corte reconheceu o direito ao uso psicoativo no Amparo 237/2021.
• Suíça – Desde 2023, o uso terapêutico está autorizado em protocolos de pesquisa aprovados. Pequenas quantidades são descriminalizadas em alguns cantões.
• Brasil – A psilocibina e a psilocina constam na Lista F2 da Portaria SVS/MS nº 344/1998 da Anvisa. Os cogumelos que as contêm não estão listados na Lista E, destinada a plantas e fungos proscritos. Isso cria uma ambiguidade jurídica: embora a molécula esteja controlada, o fungo não é proibido, o que impossibilita criminalização por analogia, conforme entendimento consolidado pelo STF no HC 164.773/SP.
Avanços legislativos e jurisprudenciais relevantes
• Índia – Tribunal Superior de Kerala: Em 17 de janeiro de 2025, o tribunal decidiu que os cogumelos contendo psilocibina não configuram, por si só, substâncias ilícitas sob o NDPS Act (Narcotic Drugs and Psychotropic Substances Act), diante da ausência de previsão expressa. A decisão gerou forte repercussão jurídica e pode abrir precedente para ações semelhantes.
• República Tcheca – Em 30 de maio de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou reforma legislativa que autoriza o uso terapêutico da psilocibina em ambientes clínicos sob supervisão médica, bem como cultivo controlado. O projeto aguarda tramitação no Senado e entrará em vigor em janeiro de 2026.
• Austrália – A Therapeutic Goods Administration (TGA) reclassificou a psilocibina como substância terapêutica de uso controlado a partir de 1º de julho de 2023, permitindo prescrição médica em casos de depressão resistente e TEPT.
• Canadá (Alberta) – Desde 2023, a província regulamentou o uso terapêutico da psilocibina, com base nas exceções concedidas desde 2020 para uso compassivo e pesquisa clínica.
• Nova Zelândia – Em 18 de junho de 2025, o Ministério da Saúde autorizou psiquiatras certificados a prescreverem psilocibina fora de ensaios clínicos, especialmente para depressão resistente.
Regulamentações estaduais e locais nos Estados Unidos
Embora o governo federal dos Estados Unidos mantenha a psilocibina sob a Tabela I do Controlled Substances Act, diversos estados e municípios adotaram políticas próprias:
• Oregon – Medida 109 aprovada em 2020. Estabelece modelo de uso terapêutico com centros licenciados, em funcionamento desde 2023.
• Colorado – Em 2022, a Proposition 122 descriminalizou a psilocibina e prevê regulamentação clínica em andamento.
• Municípios: entre 2019 e 2021, diversas cidades aprovaram iniciativas de descriminalização do uso pessoal de enteógenos, incluindo: Denver (CO), Oakland e Santa Cruz (CA), Washington, D.C., Somerville, Cambridge e Northampton (MA), Seattle (WA) e Detroit (MI).
Considerações Finais
O levantamento revela uma tendência global de flexibilização no tratamento jurídico da psilocibina, impulsionada por dados científicos e demandas sociais. A diversidade de modelos adotados — da tolerância cultural à prescrição clínica — sugere um deslocamento progressivo da política criminal para uma abordagem baseada em saúde pública e liberdade de consciência.
A distinção entre descriminalização (mero não enquadramento penal) e regulamentação terapêutica (acesso legal com supervisão médica) é fundamental para evitar confusões conceituais. O Brasil, embora ainda sem marco legal específico, apresenta elementos que permitem o debate jurídico qualificado e ético sobre práticas culturais, religiosas e científicas envolvendo cogumelos psilocibinos.
Referências
ANVISA. Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-344-de-12-de-maio-de-1998-3154084
Supremo Tribunal Federal. HC 164.773/SP. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=7526686
Therapeutic Goods Administration (TGA) – Austrália. https://www.tga.gov.au
Health New Zealand. https://www.health.govt.nz
Governo da República Tcheca – Expats.cz. https://www.expats.cz
Governo de Alberta, Canadá. https://www.alberta.ca
Kerala High Court Decision. https://www.barandbench.com
Wikipedia. Legal status of psilocybin mushrooms. https://en.wikipedia.org/wiki/Legal_status_of_psilocybin_mushrooms